Vamos analisar um dos fenômenos sociais mais conhecidos da história, a
traição de Judas, e desvendar como Jesus trabalhou com os papéis da memória, como
filtrou os estímulos estressantes em situações-limite e como ajudou seus
discípulos a desenvolver a arte de pensar. O Mestre dos mestres, ao longo da
sua caminhada, recebia pequenas quantias de dinheiro para seu sustento e dos
jovens que o acompanhavam.
A quem ele confiou a bolsa que continha esse dinheiro?
A Judas(a "profissão" de Judas era ladrão). Ele era ingênuo ao dar essa atribuição a Judas? De modo algum.
Ele conhecia o caráter frágil do seu discípulo, mas nunca desistiu dele. Por quê?
Ele não tinha medo de ser roubado por Judas, mas de perdê-lo.
Sua atitude
revela que ele tinha metas claras para seus discípulos. Trabalhar neles
a solidariedade, a arte de pensar, o amor mútuo era mais importante do que todo o
dinheiro do mundo. Ele desejava que Judas revisse a sua história enquanto cuidava das
finanças do grupo. Judas era o mais culto dos discípulos, mas era o
menos preparado para a vida. O desprendimento de Jesus indica uma excelente
proteção da sua memória. Não ficava remoendo pensamentos negativos em relação ao
seu discípulo e contaminando sua memória. Ele sabia que quem é desonesto rouba a
si mesmo.
Rouba o quê? Rouba sua tranqüilidade, sua serenidade, seu amor pela
vida. Queria que Judas aprendesse a pensar antes de reagir e valorizasse o que
ele, o Mestre, mais amava. O maior erro de Judas não foi a traição a
Jesus, foi sua incapacidade de reconhecer suas limitações. Foi não aprender a ser
transparente e perceber que seus maiores problemas estavam dentro dele mesmo. Judas acumulava entulhos na sua memória,
principalmente nos últimos meses antes de trair Jesus. No começo,
ele estava fascinado com o poder e a eloqüência de Jesus, mas pouco a pouco
se frustrou com ele, pois Jesus não tomava o trono político. Ele não entendeu que
Jesus queria o trono do coração humano. Trono esse que só poderia ser conquistado
com liberdade, sabedoria e amor.
As atitudes de
Jesus deixam fascinados os intelectuais lúcidos. Na última ceia, Jesus anunciou
a sua morte e disse, com o coração partido, que um dos discípulos o trairia.
Abalados, todos queriam o nome do traidor. Mas Jesus nunca expunha publicamente
os erros das pessoas. Mas Jesus não daria o nome do
traidor, protegeria Judas. Eles insistiram. Então, mostrando uma humanidade
admirável, em vez de acusar Judas, deu um pedaço de pão a ele. O traidor queria golpeá-lo,
mas o Mestre dos mestres queria saciá-lo.
Sabia que ele tinha sede de paz. Ninguém percebeu o que se passava, apenas Judas. Em seguida, mais uma vez, ele
demonstrou uma força e serenidade brilhante como o sol. Disse sem temor a Judas: "O
que pretendes fazer, faze-o depressa". Ele não o criticou, não o
pressionou, não o controlou. Teve a ousadia de dizer que se Judas quisesse
traí-lo, poderia fazê-lo e depressa. Nunca na história alguém teve uma atitude
tão altruísta com seu traidor. Mais uma vez eu afirmo: ele não tinha medo de ser traído por Judas, tinha medo
de perdê-lo.
Ao dar-lhe um pedaço de pão em vez de agredi-lo e ao encorajá-lo
a tomar livremente a atitude que quisesse, ele estava gritando docilmente para
que Judas repensasse sua história, protegesse sua memória e se tornasse líder de
si mesmo. Stalin matou milhões de pessoas. Foi um dos maiores carrascos da
história. Dentre suas vítimas, estavam dezenas de amigos. Por quê? Porque
tinha paranóia: idéia de perseguição associada à insensibilidade, incapacidade de
sentir a dor dos outros. Era um homem grande por fora, mas pequeno por dentro.
O simples fato de suspeitar que seus amigos o estavam traindo era suficiente
para condená-los e fazê-los declarar publicamente que eram traidores. Ele dominava
a mente e o destino das pessoas.
Jesus era diferente. Mesmo sabendo que iria ser traído por Judas (e negado
por Pedro), liderou seus pensamentos, administrou sua emoção, protegeu a sua
memória e deu plena liberdade a eles. No ato da traição, houve mais uma prova
de que Jesus estava querendo reconquistar Judas...
...Judas chegou com uma grande
escolta. Estava nervoso e ofegante. Precisava identifica-lo naquela noite escura
e fria. Embora fosse trair o Mestre dos mestres, sabia que ele era profundamente
dócil. Bastava um beijo para identificá-la. Então, tomou a frente da escolta e
foi beijá-lo. Você se deixaria beijar por seu traidor? Jesus se deixou... As
atitudes incomuns de Jesus continuaram. Ele fitou seu
traidor e disse-lhe: "Amigo, para que vieste? Com um beijo
trais o Filho do homem?". Não se tem notícia na história de que
um traidor tenha sido tratado com tanta gentileza. Nunca o amor chegou a
patamares tão altos.
Ele chamou seu traidor de amigo. Não mentiu. Como o mais
fiel e consciente dos homens, ele cumpriu sua palavra ao extremo. Ele havia dito
no Sermão do Monte que deveríamos dar a outra face aos inimigos e amá-los. Ele
amou Judas, deu a outra face a ele no limite superior da frustração. Somente
alguém que tem uma saúde emocional excepcional e uma força psíquica imbatível é
capaz de tomar essa atitude. Nenhum psiquiatra chegou perto dessa maturidade. Jesus
incluiu seu traidor, atraiu-o para si e procurou proteger sua emoção e sua memória. Queria conquistar Judas e evitar que ele se suicidasse.
Quem analisa esses fatos sob o
ângulo da psicologia e psiquiatria tem de se dobrar diante da sua grandeza. Há
menos de uma hora o Mestre da vida estava no extremo do estresse, agora ele
estava no extremo da inteligência. Jesus golpeou a ambição de Judas.
Nunca alguém amou tanto, incluiu tanto, apostou tanto, deu tantas chances a
pessoas que mereciam tão pouco.
Infelizmente, Judas não conseguiu entender a
linguagem do seu mestre. Ele através do fenômeno RAM, registrou de maneira
intensa sua traição nos solos da sua memória. Saiu de cena perturbado. Percebeu
a incompreensível amabilidade de Jesus, mas não se deixou ser alcançado por ela.
O que é pior, ele começou a gravitar em torno da zona de conflito (Janela Killer) que criou. O fenômeno do Autofluxo começou a ler velozmente
essa zona de conflito e produziu milhares de pensamentos sem a autorização do
"eu", que, por sua vez, alimentou seu sentimento de culpa e o
atormentou intensamente. Desse modo, o fenômeno do Autofluxo, que deveria gerar
uma fonte de prazer, gerou um teatro de terror. Não foi autor da sua história,
mas vítima dos seus erros. Infelizmente, contra o clamor de Jesus, ele
desistiu de si mesmo.